domingo, 9 de janeiro de 2011

DEFESAS CENTRAIS: CARLOS CARVALHAL

Defesas centrais
“Cada vez penso mais e corro menos”! Esta frase é da autoria de Carles Puyol, defesa central do Barcelona e da Selecção Espanhola ao jornal El País no dia 10.7.2010
O conteúdo desta afirmação leva-nos a reflectir sobre a inteligência do jogo. O dominar e controlar os espaços mais importantes do terreno de jogo de uma forma inteligente, é sintoma de uma equipa evoluída.
Na entrevista acima referida, Puyol refere que “agora preocupa-se mais com o espaço do que com a bola”!
A noção de controlo e domínio dos espaços é fundamental para um jogador e para uma equipa inteligente! Existem espaços mais “críticos” do que outros! O espaço destinado aos defesas centrais é fulcral na organização de uma equipa. Quando estão a defender, as equipas revelam preocupações em fechar o corredor central (o que parece óbvio pois é o local onde se encontram as balizas), sendo os defesas centrais aqueles que devem guardar os espaços que estão imediatamente à frente da sua baliza.
E começo por referir “guardar espaços” porque, para mim, é uma característica importantíssima para definir um bom defesa central! Existem defesas centrais que são apelidados pelos adeptos de “autênticos guerreiros”, “que vão a todas”, “que não largam o ponta de lança”, etc…
Entendo este ponto de vista, mas não é o meu! Fui defesa central e percebo muito bem esta posição! Mais importante que perseguir adversários e fazer carrinhos nas laterais do campo, é absolutamente necessário saber guardar o seu espaço e não permitir que qualquer adversário (não só os avançados) possa entrar nesse espaço para fazer golo.
Vamos reflectir! Sou treinador de uma equipa que vai jogar contra outra, na qual os defesas centrais jogam em “perseguição” aos avançados contrários! É óbvio que ao sair do seu espaço com facilidade, as compensações são muito difíceis de se fazer. Com toda a naturalidade, um dos pontos estratégicos a explorar vai ser o arrastar os defesas centrais para fora do seu espaço, de forma a que outros jogadores possam entrar por esse canal.
Então os defesas centrais nunca “abandonam” o seu espaço?
Podem fazê-lo, mas segundo a minha perspectiva, apenas com duas possibilidades: ter a certeza que vai “encurtar” num adversário que estava prestes a receber a bola num espaço importante e que poderia colocar em perigo a equipa se a bola fosse recepcionada (se mesmo assim este ganhar a bola, devemos forçá-lo a jogar para fora deste espaço, ou em último recurso deve recorrer-se à falta); ou, saindo desta zona, tendo a certeza absoluta que o espaço abandonado vai ter uma eficiente cobertura.
Já agora para reforçar esta minha ideia atente-se no que refere Puyol, “Agora posso dizer que jogo com mais cabeça e menos pernas, menos coração. Pelo menos tento pensar antes de ir a todas”.
Quando comecei como jogador não existia uma forma de jogo “zonal”! Um defesa central marcava o ponta de lança e o outro jogava nas “dobras”. Já na fase terminal da minha formação (juniores), as equipas começaram a jogar com os defesas centrais a jogar cada um na sua “zona”! O que era isso?
Dividindo o campo a meio no sentido longitudinal, do lado que o avançado se desmarcava o defesa central marcava e o outro “sobrava”! Foi para mim uma primeira abordagem à Zona! Desde o primeiro dia senti a vantagem desta forma de jogar e a dificuldade que alguns avançados começaram a experimentar. Esta forma de defender foi uma “viragem”, não só nas características dos defesas centrais (menos o “marcador puro” e o que jogava apenas “limpinho nas sobras”), para defesas com as duas características (mesmo que uma fosse mais marcante do que a outra). Influenciou também a forma como os avançados se movimentavam, agora que já tinham dois defesas centrais a marcar os espaços.
Com o passar dos anos o jogo evoluiu para a defesa “Zona pressionante”! Forma de jogar que implica jogar em rede: todos dependem de todos, defendendo espaços em coordenação colectiva! Nesta posição procuro sempre ter jogadores que, para além de reunir um conjunto de características individuais, saibam jogar em coordenação com a equipa, no seu Todo; com a linha defensiva no seu conjunto (incluindo guarda-redes); mais pormenorizadamente com o seu parceiro do eixo central (quase que uma união que se assemelha a um casamento); também de uma forma muito próxima com o defesa lateral do seu lado.
Cada vez sinto mais dificuldade em avaliar um defesa central! Procuro analisar as relações de coberturas de espaços entre defesas, e de uma forma mais “sensível”, a forma como se articula e complementa a dupla de centrais.
Dentro de um conjunto de características que acima referi, existe uma que para mim é fulcral para definir um defesa central de Top – a capacidade de antecipação! Esta capacidade está intimamente ligada com a inteligência do jogador! A forma como antecipa o que vai acontecer no jogo em cada instante, realiza-se em eficácia defensiva e… ofensiva!
Defensiva porque a leitura do jogo vai permitir antecipar os acontecimentos e impedir a iniciativa ofensiva do adversário - como que “adivinhando” a intenção do adversário. Neste âmbito, pode levantar-se a questão do que é a velocidade no futebol…
Ofensiva, porque um bom defesa, para além de dever antecipar o momento em que anula a investida do adversário, deve dar um ênfase construtivo à sua acção, ou seja, deve colocar em primeiro lugar o “cortar” a bola, mas pensar sempre ao fazê-lo, de que forma pode passar a bola a um colega para que exista transição para ataque.
O jogo tem um fluxo contínuo, não se quebra num momento! Por isso as ligações entre os diversos momentos do jogo assumem uma importância fundamental.
Cada vez mais os defesas centrais não se esgotam no processo defensivo. Procuram-se defesas que para além da sua função natural e fundamental, tenham acima de tudo uma grande eficácia defensiva. Que saibam iniciar e dar continuidade ao momento ofensivo.
Já pensaram na importância dos defesas centrais nos momentos de transição?
Como referimos anteriormente, a forma de dar sequência ao jogo após cortar a bola, influência de uma forma construtiva, facilitando a fluidez e a velocidade do jogo. O primeiro passe após a recuperação da posse da bola, assume uma importância enorme na transição ofensiva. Os defesas centrais anulam muito “jogo” ao adversário, logo têm também muitas possibilidades de iniciar a organização ofensiva, antecipando a acção seguinte.
Existe um pormenor muito importante e que está intimamente ligado com a concentração e interpretação do jogo. Um defesa central, como todos os jogadores, “joga” em todos os momentos do jogo. Mas todos nós, treinadores, sabemos que quando a nossa equipa está a atacar no último terço do campo, existem jogadores da linha mais recuada que por vezes estão apenas a “ver o jogo”!
O que significa isto? Significa que estão de tal forma absorvidos pelo lado emocional, a viver o jogo e a focalizar-se no colega que tem a bola, que se esquecem que momentaneamente não ocupam bem os seus espaços, no sentido de manter o equilíbrio da equipa. Isto resolve-se com treino, e é importantíssima a forma como estes jogadores se posicionam para que a equipa esteja permanentemente equilibrada, mantenha as suas linhas juntas e tenha uma transição defensiva eficiente. O facto de estarem posicionados na linha mais recuada da equipa deve também ser aproveitado por estes para dar feedbacks importantes aos seus colegas, de forma a estarem em equilíbrio defensivo permanente. Estes equilíbrios são extremamente dinâmicos e requerem muita concentração e comunicação.
Na próxima vez que virem o Barcelona, fixem-se na acção dos defesas centrais! Jogam muito “subidos”! São agressivos e fortes nos equilíbrios, tentando sempre jogar em antecipação para rapidamente ficar com a posse da bola e evitar que tenham que defender perto da sua área. É que assim os jogadores do meio campo e ataque não têm que percorrer grandes espaços! Esta equipa gosta é que corra… a bola!
Termino novamente com Puyol na citada entrevista, “aprendi a pensar em campo! É mais importante defender o espaço do que a bola…”

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